Jornalista, ensaísta e romancista, Baptista Bastos traça nas suas obras muitos quadros do quotidiano, demonstrando argúcia e perspicácia na observação que faz das diferentes matizes da vida.Num dos seus escritos conta a história do Vitinha, um rapazinho do bairro que, contrariamente à generalidade dos seus colegas de escola, feita a quarta classe, foi estudar. Apesar de tudo, embora seguissem caminhos diferentes, ele continuou a ser para os colegas, que foram para o mundo do trabalho, o Vitinha. Os colegas até tinham orgulho nele, por saberem que, graças aos estudos ele poderia singrar na vida. Nas brincadeiras próprias da idade, continuavam a tratar-se pelas alcunhas de criança e eles até o protegiam.Um dia, o Vitinha licenciou-se, abriu um escritório. Um dos colegas, sem emprego, lembrou-se de ir ter com o Vitinha, na esperança de que ele o ajudasse a encontrar uma solução. Apresentou-se à funcionária e pediu-lhe que transmitisse ao senhor doutor que estava ali fulano, utilizou o apelido por que fora conhecido da malta do bairro durante tantos anos de brincadeiras juntos. De dentro, a funcionária trouxe um pedido de desculpas do senhor doutor, dizendo que não o conhecia nem o podia receber.Esta pequena história mostra um pouco do que é a sociedade, sobretudo de quantos, alcançado um patamar na vida, se sentem acima dos outros, aproveitando por tudo e por nada para puxarem pelos galões que o canudo lhes confere. Hoje, mais do que nunca, entramos em repartições públicas e só encontramos doutores e engenheiros, gente que faz questão de assim ser tratada, mas, cujo desempenho nas funções que desempenha, não corresponde ao título, com que pomposamente faz questão de ser tratado.E aqui é que está a questão. Infelizmente, criou-se a mania do doutor apenas por uma questão de vaidade pessoal e até de prestígio social. Faz-se questão de assim ser tratado, caso contrário cai o Carmo e a Trindade.Mais do que o título académico, o importante é a forma como cada um se relaciona em sociedade, como traduz essa mais-valia em prol da actividade que desempenha e do bem comum. Aí é que se vêem os verdadeiros doutores. Quanto ao resto, não passará, como diz a canção, de uma nuvem passageira.
António Rebelo